Publicado em 2/05/2015
CLASSIFICAÇÃO DA AUTORA
★ ★ ★ ★ ★ ★ ★ ★ ☆ ☆
AVISO: Esta crítica contêm algumas partes de Spoiler
VOLUME I
Um drama erótico, dividido em dois volumes, com argumentação e realização de Lars Von Trier, Ninfomaníaca retrata a vida de Joe (Charlotte Gainsbourg), uma mulher que desde sempre se debate com um desejo sexual descontrolado e se vê a si própria como ninfomaníaca. Um dia é encontrada, espancada e quase inconsciente, num beco, por Seligman (Stellan Skarsgård), um homem aparentemente bondoso, que decide levá-la para casa e cuidar dela até se recuperar. Seligman acaba por se tornar um improvável confidente a quem Joe decide contar a sua vida e tenta explicar o porquê de se considerar um mau ser humano. Assim, em oito capítulos, ela recua à infância e faz uma retrospectiva de todos os anos da sua existência.
Joe vai escolhendo objectos no quarto para dar nome aos capítulos que vai contando, que são sempre rematados por Seligman através de comparações com alguns trechos bíblicos ou outro tipo de representações e, assim, todo o filme tem um significado muito simbólico.
Mas o que se torna realmente interessante no Volume I é que Joe acaba por encontrar o amor, algo que segundo ela “distorce as coisas, ou pior, é uma coisa que nunca se pediu… O amor apela aos instintos mais baixos, envolto em mentiras…”.
A maneira como ela começa a apaixonar-se por Jerome (Shia LaBeouf) e a maneira como ela própria condena esse amor está muito bem representada. O filme termina com uma magnífica cena de sexo entre Joe e Jerome, onde Joe diz que não consegue sentir nada.
VOLUME II
Na esperança de obter uma resposta ao porquê de Joe dizer que não consegue sentir nada enquanto faz sexo com Jerome, Ninfomaníaca II inicia-se com uma cena da infância de Joe onde ela teve o seu verdadeiro orgasmo, e consegue de todo responder a isto. Na verdade, é só no Volume II que se percebe melhor a trajectória de Joe.
Um outro facto interessante neste Volume é que Joe e Jerome têm um filho, e ela não sabe como conciliar as suas vontades sexuais com as obrigações da maternidade. É nesta sequência que Lars Von Trier faz uma estranha ligação com Anticristo, que por sua vez é um filme bem mais pesado, demasiado complexo e cheio de simbologia e alusões ao oculto e a coisas satânicas representadas no âmbito sexual. Quase que se tem um dejavú na cena em que o filho de Joe, Marcel, caminha para a janela, enquanto neva, e ao mesmo tempo ouve-se a mesma música do início do filme Anticristo. Além de que L (Willem Dafoe) também entra em Ninfomaníaca, ou seja, é quase como se Anticristo podesse ser o terceiro volume de Ninfomaníaca. (Ainda que Anticristo seja de 2009, e Ninfomaníaca de 2013).
As cenas mais fortes encontram-se todas neste volume, incluindo o maior close up alguma vez visto de uma vagina; cena em que Joe se envolve “lesbicamente” com uma jovem; e a última cena do filme, completamente desnecessária, em que Jerome espanca Joe, e bem na frente dela repete a cena dos números 3+5 com a tal jovem, e para piorar, ela faz xixi em cima de Joe, o que torna toda a cena demasiado humilhante. É neste momento que se percebe como Joe foi parar àquele beco.
O volume II é trágico no sentido em que nos apercebemos que quando Joe tem o amor, não tem o prazer sexual. Como se não fosse possível ter o melhor de dois mundos, porque é exactamente durante o período em que ela encontra finalmente o amor que deixa de ter prazer sexualmente. E para voltar a ser o que sempre foi, pra voltar a ser ELA – Joe, a ninfomaníaca, de que tanto se orgulha, não pode ter amor. E isto mostra-nos uma realidade dura e crua. Quase como se ser ninfomaníaca fosse imperativo. Joe ao ser ninfomaníaca não é feliz nem deixa de ser, apenas TEM de ser, para se sentir viva.
VOLUME I vs VOLUME II
Enquanto o volume I baseia-se apenas no relato das suas aventuras sexuais e retrata isso de uma forma bonita e até romântica, o volume II está feito de uma forma abrupta! É muito mais forte, agressivo, tem cenas mais ofensivas e questionáveis.
Como é que Jerome, que no volume I era o amor de Joe, acaba por quase ser morto por ela própria? Foi assim tão importante para Joe estes momentos sexuais ao ponto de largar Jerome e o seu filho Marcel? Valeu a pena?
A última cena no beco então… é simplesmente cruel! Obrigar Joe a ver Jerome fazer à jovem o que um dia lhe fez a ela, depois de tudo o que eles viveram, simplesmente foi uma cena fria demais.
Sem ser o facto de que só no volume II é que se entende o percurso de Joe, o volume II era perfeitamente dispensável. Estraga totalmente as expectativas criadas no volume I. Toda a beleza, romance e até o humor que se vê no volume I perde-se completamente.
É, sem dúvida, mais um filme que mostra a excentricidade de Lars Von trier, em que o objectivo é chocar, sem oferecer nada de mais profundo ou inteligente.
Volume II é desapontante para quem adorou o primeiro volume. Não que não tenha impacto, muito pelo contrário. Mas não corresponde as expectativas de quem viu o primeiro. Espera-se por algo surpreendente e dramático sim, mas não tão trágico e cruel.
Aqueles que assistem Ninfomaníaca à espera de encontrar um bom filme pornográfico e nada mais que isso vão muito mal enganados. Porque Ninfomaníaca não se trata de expor cenas sexuais gratuitas só porque sim, todas as cenas foram cuidadosamente gravadas para que conseguissem transmitir uma ideia, uma representação de algo. Até porque todo o filme é acompanhado por pequenas comparações e representações de algo simbólico.
Com uma banda sonora meio desenquadrada, mas que tem possivelmente uma explicação lógica, desde Ramstein a “Born to be wild” de Seppenwolf, a banda sonora não apresenta grande interesse, mas está cuidadosamente bem encaixada nas cenas.
Um grande filme, que encanta pela sua ousadia e que exige que o espectador se dispa de preconceitos e moralismos para captar a essência da história.
CENAS FAVORITAS
VOLUME I - Cena em que Joe vai ter com Jerome pela primeira vez.
VOLUME II - Cena em que Joe e Jerome têm momentos muito divertidos um com o outro.
Veja aqui o Trailer: